segunda-feira, 31 de março de 2014

Seca e alta temperatura nos cafezais brasileiros: Um estudo de caso e sua amplitude nacional


I) PREÂMBULO 
Dado a grave anomalia climática atual (Janeiro/Fevereiro/Março de 2014), que ocorre em quase a totalidade das regiões produtores de café arábica no Brasil, é necessário esclarecer tanto seus efeitos na próxima colheita, que se inicia em meados de abril, como também seus efeitos na safra 2015/16. 
No meio acadêmico, já se considera este verão errático de 2014 como sendo a segunda maior anomalia climática na produção cafeeira brasileira, somente suplantada pela geada negra, ocorrida em 1975. 
Lembra-se a todos que, até dezembro de 2013, a cafeicultura brasileira de arábica, na sua maior parte, passava por desinvestimentos, devido aos baixos preços do café, muito abaixo dos custos de produção, e estimulou a muitos cafeicultores ao acentuado abandono, fortes podas e algumas erradicações de suas lavouras.


Gráfico 1
II) INTRODUÇÃO: 
Este estudo foi realizado numa área de 30 ha de café de sequeiro, localizada a 750 m de altitude na Zona da Mata Mineira, micro-região de Viçosa. 
Nos dois primeiros meses de 2014 choveu apenas 47 mm e a temperatura média foi 4° C acima da média histórica, com frequentes dias de 34° C. No entanto, os cafeeiros de todos os talhões analisados estavam com excelente enfolhamento e com a nutrição mineral absolutamente dentro da faixa tecnicamente indicada, em 15/01/2014, exceto o N foliar (3,5%), que estava um pouco acima do tradicional (3,2%). Até 28/02/14 poucas plantas haviam 
apresentado murcha temporária visível. Nos dias 01 e 02/03/14 choveu cerca de 140 mm. 


Gráfico 2

As determinações foram realizadas nos dias 17 e 18/03. Cinco amostras de 50 frutos cada, aparentemente em final de granação, foram colhidas aleatoriamente do terço médio superior dos cafeeiros de cada talhão, procurando-se evitar as extremidades das ruas e frutos brocados. 
Em mais de 90% dos frutos que apresentaram defeitos nas sementes, estes foram de médios a suaves, de acordo à escala proposta por Furlan/Parreiras/Rena na Rede Social do Café e replicada pelo site Notícias Agrícolas,  no dia 21/03/14. Frutos denominados “coração negro” não chegaram a 0,1% e, em geral, somente uma semente/fruto foi afetada. 


Gráfico 3

A área em foco foi dividida em 7 talhões levando em conta a exposição solar, a idade da planta, o adensamento, a carga de frutos e podas. 
A técnica da submersão em água não se aplicou a este trabalho, já que uma fração mínima dos frutos boiou. Constatou-se que nos frutos submersos estava a fração mais expressiva de defeitos. Isto indica que, mesmo com algum defeito, a deposição de amido nas sementes foi o suficiente para tornar os frutos mais densos que a água. 

Obviamente, quando estes frutos amadurecerem, o volume dos mesmos aumentará, sua densidade diminuirá e eles sairão junto aos frutos bóia no lavador. Como não se descasca o café bóia nesta propriedade, logicamente perder-se-á até 50% de CD desta fração defeituosa. 
Assim, a verificação dos defeitos foi realizada somente mediante o corte transversal dos frutos e sua análise visual. 
  
 III) RESULTADOS 
Os resultados são apresentados a seguir :. 

A. Talhões soalheiros: 
1. Catuaí 44 - 9 anos de idade, 6000 plantas/ha, produtividade esperada de 65 sacas/ha.  Frutos com defeitos = 30%.  

2. Catuaí 44 - 9 anos de idade, 6000 plantas/ha, produtividade esperada de 40 sacas/ha.  Frutos com defeitos = 26%. 
3. Catuaí 86 - 33 anos de idade, 3200 plantas/ha, produtividade esperada de 50 sacas/ha.  Frutos com defeitos = 24%. 
 4. Catuaí 86 - 26 anos de idade, 3400 plantas/ha, produtividade esperada de 55 sacas/ha. Frutos com defeitos = 30%. 
5. Catuaí 44 - 26 anos de idade , 3400 plantas/ha, primeira produção após decote e  esqueletamento (18 meses), produtividade esperada de 50 sacas/ha.  Frutos com defeitos = 14%. 
 B. Talhões noruega: 
6. Catuaí 44 -9 anos de idade, 6000 plantas/ha, primeira produção após decote e esqueletamento (18meses) produtividade esperada de 60 sacas/ha. Frutos com defeitos = 19%
7. Catuaí 44 - 24 anos de idade, 6000 plantas/ha, primeira produção após decote/esqueletamento (18 meses) produtividade esperada de 75 sacas/haFrutos com defeitos = 10%. 

C. Plantas, ao acaso, plenamente expostas ao sol, com folhas sem brilho e ligeiramente amarelecidas,  mas com pouca escaldadura, localizadas nas extremidades das ruas. Frutos com defeitos muito fortes = 69%. 

D. Média geral de defeitos nos 30 ha, não considerando o valor do item C:  Aproximadamente . 22% +/- 2,2%. 


IV) BREVE DISCUSSÃO 
Os dados indicam que na área em estudo os danos não tiveram a dimensão e a extensão dos observados noutras regiões produtoras de café do Brasil. São fortes, mas não representativos do que está se passando com a cafeicultura nacional. As razões são difíceis de ser diagnosticadas, mas é provável que estejam relacionadas a um micro clima mais ameno, solo mais fértil e rico em matéria orgânica, sistema radicular profundo ou, quem sabe, a algum detalhe específico no manejo das lavouras. Mas não se deve esquecer que a propriedade está a 750 m de altitude e uma latitude mais ao norte que as do Sul de Minas, o que deveria ter agravado a situação. 
As perdas na colheita de 2014, na propriedade estudada, estão principalmente associadas ao pequeno tamanho dos grãos (peneira baixa), estimada em 15% e às sementes mal formadas, 10% (considerando apenas a massa, não a qualidade), totalizando 25%. Nesta altitude, a bebida é absolutamente dependente do descascamento dos frutos cereja. A baixa produção de café CD (bebida mole, nota 82), provavelmente 20% a menos, portanto, representa outra grande fonte de perdas, pois os frutos com o menor defeito inevitavelmente sairão junto aos frutos bóia durante a lavagem. 
Nas regiões mais afetadas do Brasil, com perdas bem acima de 25%, e que aparentemente representam a maioria, o que comandou todo o processo foi a falta de água no solo (quase ausência de chuvas) e a radiação solar excessiva, especialmente as radiações infravermelhas (temperatura) e ultravioletas, e o altíssimo déficit de pressão de vapor de água da atmosfera. Esses efeitos foram mais intensos principalmente nas lavouras mal-nutridas, pelo desestímulo dos preços, e nas lavouras mais jovens com boa carga, nas quais o sistema radicular era ainda pouco extenso. 

O reservatório de água no solo esgotou-se rapidamente com a forte demanda evapo-transpiratória, sem o adequado reabastecimento. Tanto as radiações eletromagnéticas quanto o estresse hídrico romperam todos os mecanismos naturais de defesa do cafeeiro, principalmente aquele de alta carga de frutos, que não é uma espécie preparada evolutivamente para adaptar-se a um meio-ambiente tão agressivo, pois é uma C3 de sub-bosque úmido de altitude. 
Como consequência, ocorreu a paralisia quase total do sistema fotossintético, a única fonte de energia da planta, exatamente no pico de demanda por água e carboidratos, ou seja, no momento do período da grande expansão e granação dos frutos, e do crescimento vegetativo (nós produtivos), componente principal da safra 2015/2016. 
 Foi um festival de foto-inibições, fotodegradações, desequilíbrio do sistema hormonal, rupturas do sistema de transporte de água e solutos orgânicos e minerais (xilema e floema), desidratações visíveis, queima de tecidos foliares e de ramos mais jovens, e, o que normalmente temos resistência em aceitar, pois não é visual, extrema morte do sistema radicular, um dos “lóbulos cerebrais” da planta. 
Por outro lado, a ação mecânica da água, ou seja, sua capacidade de gerar turgescência dentro das células, tanto dos ramos, das folhas ou dos frutos, deixou de existir. Com isto, em plena estação do crescimento mais ativo do cafeeiro, ele simplesmente não aconteceu. Em consequência, os frutos não expandiram o suficiente o que resultará em perdas imponderáveis em 2014, e os nós produtivos deixaram de ser formados. 
Enfim, houve enfraquecimento geral da planta, em especial as raízes, que afetará drasticamente a safra futura, de 2015/2016. A colheita de café em 2015 já está, portanto, muito comprometida. E mais, se as floradas forem boas, em setembro de 2014, e se o pegamento de frutos for razoável, qualquer sacudidela indesejável do meio-ambiente poderá ser interpretada pelo cafeeiro, que acaba de sair da UTI, como um grande terremoto, prejudicando ainda mais a colheita de 2015, e mandando sinais de alerta para a de 2016. 
Considerando o déficit hoje instalado e a natural baixa da pluviosidade, típica do outono/inverno do sudeste  brasileiro, a recuperação do sistema radicular será precária, determinando maior intensidade de perdas na safra 2015/2016 mesmo que tudo ocorra bem a partir de setembro de 2014. O que na verdade acontecerá em 2016, só Deus sabe. 
V) CONCLUSÕES 
Considerando todo o exposto, com pesquisas e visitas em várias lavouras de sequeiro nas principais regiões brasileiras produtoras de café arábica, pode-se afirmar que para a colheita de 2014: 
A) Nas melhores lavouras, com índices pluviais acima da média, de altitude elevada, portanto mais frescas, de solos férteis e ricos em matéria orgânica, haverá perda de aproximadamente 15% da produção, devido à: 

 Menor granação (sementes menores) 
 Menor renda no café beneficiado 
 Maior incidência de grãos chochos e mal formados 

B) Nas lavouras de altitudes elevadas e com solos argilosos férteis ricos em matéria orgânica, e que sofreram apenas medianamente, porque os índices pluviais não foram tão baixos, haverá perda entre 20% e 30%, dependendo de algumas variáveis: 

 Idade da lavoura (nova ou de 5 anos ou mais) 
 Carga pendente atual 
 Índice de granação 
 Índice de frutos mal-formados. 

C) Nas lavouras de baixa altitude, baixos índices pluviais e solos arenosos, as perdas poderão variar de 30% a 50%, em função de: 

 Maior exposição aos raios solares 
 Maior déficit de pressão de vapor de água na atmosfera 
 Maior evapotranspiração 
 Maior estresse radicular 
 Muito menor granação 
 Grande incidência de frutos mal formados.  

D) Nas lavouras jovens, com 4 anos ou menos, devido ao pequeno sistema radicular, dependendo dos índices pluviais, e do teor de matéria orgânica do solo, as perdas podem ultrapassar os 50%, em decorrência de o sistema radicular ser pouco desenvolvido e sofrer rápidos danos, ademais dos outros fatores já mencionados no item C. 
E) Foi também visitada uma propriedade de arábica, muito bem irrigada e com excelente estado nutricional, situada a 500 m de altitude na região de Pirapora, norte de Minas. Em três pivôs centrais, cobrindo uma área de mais de 200 ha e contendo talhões de várias idades e adensamentos de plantio, e produtividade média acima de 70 sacas/ha, os defeitos nos frutos variaram de médios a grandes, e com mais de 3 L/pé de frutos totalmente chochos no chão. As perdas totais ultrapassam facilmente os 30%. 
Isto demonstra que não é só a falta de água que causa perdas significativas. O excesso de radiação, a temperatura elevada e o déficit de pressão de vapor de água são, também, altamente nocivos.

Água: A fotossíntese requer um fornecimento constante de água. 

Gráfico 4

A água atinge as folhas através das raízes e caules

Gráfico 5
Para aqueles que queiram se aprofundar sobre a fotossíntese do cafeeiro, recomendo os trabalhos acadêmicos abaixo: 
Crescimento vegetativo sazonal do cafeeiro e sua relação com foto período, frutificação, resistência estomática e fotossíntese.http://www.scielo.br/pdf/pab/v41n3/29107.pdf 
PERIODICIDADE DO CRESCIMENTO VEGETATIVO EM Coffea arabica L.: RELAÇÕES COM A FOTOSSÍNTESE EM CONDIÇÕES DE CAMPO.http://www.sbicafe.ufv.br/bitstream/handle/10820/115/155537_Art018f.pdf?sequence=1 
E para finalizar, não havendo chuvas abundantes nos próximos 120 dias, necessárias para repor toda deficiência hídrica atual do solo da maioria das regiões produtoras de café, qualquer abalo no meio-ambiente, principalmente se houver boa florada em 2014 e boa pega de frutos, o sistema radicular, aquilo que não vemos, mas que “pensa” e “toma decisões” bioquímico/fisiológicas pela planta inteira, pode sofrer danos irreparáveis no médio prazo, sinalizando negativamente para a safra 2016/2017. Mas a verdade absoluta não está disponível ao ser humano. 
Amém! 


Gráfico 6
Fundação Procafé : Folha Técnica 223  



Gráfico 7
Fundação Procafé : Ilustração dos níveis de armazenamento de água no solo do balanço hídrico

ALEMAR BRAGA RENA, 72, é especialista em fisiologia e nutrição de plantas e cafeicultor na Zona Mata mineira desde 1980. É Agrônomo pela UFV - Universidade Federal de Viçosa, Mestre em Fisiologia Vegetal pela Universidade Nacional de La Plata, Argentina e PhD em Biologia pela Universidade de Illinois, USA. Professor Titular aposentado da UFV - Universidade Federal de Viçosa . Publicou inúmeros artigos técnico-científicos e capítulos de livros no Brasil e exterior, entre eles o livro “Cultura do cafeeiro: Fatores que afetam a produtividade”, em 1986. 
"Agradecimento: O autor agradece as importantes contribuições de Marco Antonio Jacob, especialmente nas ilustrações e 
editoração." 

Fonte: Alemar Braga Rena 

Notícias Agrícolas

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