
Não são apenas os atuais baixos preços do café que preocupam os produtores brasileiros. Nas últimas semanas, a falta de um defensivo eficaz e economicamente viável para combater a broca, uma das principais pragas que afetam a cultura, também passou a provocar insônias, que poderão se transformar em prejuízos caso uma alternativa não seja encontrada. E já na próxima safra.
A broca pode ser controlada com inseticidas que contenham o princípio ativo endossulfam, amplamente usado desde os anos 70. Mas, por ser tóxico, sua venda está proibida no país desde o início do mês, segundo resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de agosto de 2010. Depois de três anos, diante da inoperância que gerou o hiato, o mal está livre para atingir 20% da produção nacional na próxima safra (2014/15), conforme o Conselho Nacional do Café (CNC).
Banido em 45 países, o endossulfam estava em uma lista de 14 agrotóxicos submetida à reavaliação da Anvisa por conta de suspeitas de ter causado problemas graves de saúde. O Ministério da Agricultura informa que atualmente há três princípios ativos liberados para combater a broca: extrato de neen, clorpirifós e o etofenproxi. Testados, contudo, suas eficiências deixaram muito a desejar, conforme cafeicultores.
Há quase três semanas, houve uma reunião do Comitê Técnico de Assessoramento para Agrotóxicos, formado pelo Ministério da Agricultura, pela Anvisa e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), para discutir o pleito da Agricultura para que duas outras alternativas ao endossulfam sejam apreciadas: a molécula Ciantraniliprole e outra resultado da combinação entre Clorantraniliprole e Abamectina.
Esses produtos foram desenvolvidos por multinacionais e representam um novo grupo de inseticidas, segundo o pesquisador Júlio César de Souza, da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig). Eles são considerados "tarja azul" (toxicidade média a baixa), enquanto o endossulfam é "tarja vermelha" (extremamente tóxico).
Essas moléculas foram testadas por quatro anos e, segundo os técnicos, são eficientes. "É um avanço", diz Souza. Antes do endossulfam, a broca infestava quase 100% das lavouras, lembra o pesquisador. Hoje, o índice é de 3% a 5%. A broca é um besouro cuja fêmea coloca ovos que se transformam em larvas e comem a semente do café, o que provoca perda de peso e qualidade dos frutos.
O pesquisador da Epamig foi um dos responsáveis pelo documento sobre a eficiência agronômica das novas alternativas. A proposta de registro dos dois produtos foi enviada pelo Ministério da Agricultura à Anvisa e ao Ibama há mais de um ano, mas apenas neste mês foi anexado à proposta o documento da Epamig com mais dados técnicos sobre a necessidade da prioridade à análise dos produtos, afirma Carlos Venâncio, chefe da divisão de agrotóxicos do Ministério da Agricultura.
Conforme Venâncio, a Anvisa estava focada na apreciação de produtos para combater a ferrugem da soja e, dado o pequeno número de técnicos da agência, o problema foi criado. A Anvisa informou, porém, que solicitou diversas vezes ao Ministério da Agricultura a indicação de quais seriam os substitutos para combater a broca do café e que só recebeu a resposta no dia 3 de julho.
Em nota, a Anvisa diz que fará a avaliação toxicológica das novas opções. "Todavia, temos que atender à prioridade da ferrugem da soja que foi estabelecida anteriormente pelo Ministério da Agricultura e na qual a nossa equipe está envolvida".
Com a proibição das vendas, serão aceitos como "regulares" resíduos de endossulfam nas culturas que o utilizam (café, cana, algodão e soja) até 31 de julho de 2014. Depois disso, nem resíduos serão mais tolerados. De acordo com a Anvisa, o prazo para a retirada do endossulfam do mercado termina em meados de setembro. Mas poderão restar resíduos de aplicações ainda legais, daí a tolerância até o ano que vem.
Uma fonte alerta para a "tentação" do produtor de estocar a substância vetada e seguir com aplicações, o que seria péssimo para a imagem do setor. Mas não há sinais de estoques significativos com agricultores ou cooperativas.
Um mercado de 21 milhões de litros – Vendido até 31 de julho e usado nas lavouras de café, cana, algodão e soja, o princípio ativo endossulfam movimentava um mercado estimado em 21 milhões de litros por ano. O produto era comercializado, em média, por R$ 13 o litro no varejo. O Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Agrícola (Sindag) não informa a receita que era gerada pelo ativo, apenas que o valor estava incluído nos US$ 2,944 bilhões gerados por todo o segmento de inseticidas no país em 2011.
A Nufarm, multinacional de capital australiano, comercializava o endossulfam no Brasil e o produzia em uma fábrica no Ceará. Ele representava cerca de 10% do faturamento da empresa no Brasil, de acordo com Valdemar Fischer, presidente da múlti na América Latina. Fischer afirma que houve forte pressão sobre as autoridades regulatórias do Brasil para proibir o princípio ativo e que "infelizmente houve a proibição sem alternativas viáveis dos pontos de vista econômico e técnico".
A Nufarm encerrou a fabricação do endossulfam no país no ano passado, conforme resolução da Anvisa que previa prazos para uma redução gradativa da produção da substância até o cancelamento total, em 31 de julho. Já era difícil encontrar o produto no mercado no ano passado e, segundo o diretor Luís Henrique Rahmeier, não há mais estoques, pois as três ou quatro empresas fabricantes não queriam correr o risco de ficar com estoque e sem a possibilidade de reexportar o produto.
A unidade industrial da Nufarm que produzia o endossulfam foi readequada para fabricar outros defensivos, cujo mercado total vem crescendo nos últimos anos. A empresa também produz outro produto que pode ser utilizado para o controle da broca, mas ele custa de cinco a seis vezes mais que o endossulfam, com eficiência de aproximadamente 60%, de acordo com Rahmeier.
O custo de duas a três aplicações de endossulfam nas doses recomendadas varia de R$ 100 a R$ 150 por hectare, com 90% de eficiência no controle da broca. "Nenhum produto tem o custo-benefício do endossulfam", afirma. Para ele, o endossulfam tinha grau de controle elevado e, se usado corretamente, é seguro para o ambiente. (CF)
Carine Ferreira
Valor Econômico
CNC
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