Tramitação foi marcada pela tentativa de conciliar interesses econômicos e ambientais.

A lei trata da ocupação do solo, das regras para a demarcação de áreas
de preservação permanente (APPs), da reserva legal nas áreas rurais e
APPs em áreas urbanas - Arquivo/ALMG - Foto: Willian Dias
A Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) aprovou, em setembro do ano passado, o Projeto de Lei (PL) 276/11, dando origem à Lei 20.922, de 2013,
que institui o novo Código Florestal do Estado. A norma envolveu
intensos debates e exigiu grande esforço de negociação entre deputados,
governo, ambientalistas e representantes do agronegócio. Adequar a
legislação à realidade vivenciada no meio rural e ainda conciliar os
interesses econômicos da atividade agrícola com os anseios de
preservação ambiental tem sido um dos principais desafios do Parlamento
mineiro.
A recente norma revoga, dentre outras, a Lei 14.309, de 2002,
que dispunha sobre as políticas florestal e de proteção à
biodiversidade no Estado, conhecida também como Lei Florestal. A nova
legislação trata da ocupação do solo, das regras para a demarcação de
áreas de preservação permanente (APPs), da reserva legal nas áreas
rurais e APPs em áreas urbanas. Regula ainda a exploração florestal,
cria e regulamenta o sistema estadual de unidades de conservação,
disciplina o consumo e a transformação de matéria-prima florestal, além
de estabelecer regras para a fiscalização e a penalização de infrações
relativas às matérias que disciplina.
O instrumento legal terá impacto direto em 550 mil propriedades
rurais, sendo que 437 mil são consideradas pertencentes à agricultura
familiar, embora ocupem apenas 27% do total da área rural do Estado,
segundo dados do último censo agropecuário do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), realizado em 2006. Conforme o presidente
da Comissão de Política Agropecuária e Agroindustrial, deputado Antônio
Carlos Arantes (PSDB), a lei garantiu que a exploração dos recursos
naturais seja feita de forma sustentável, mas também assegurou o
exercício do direito à propriedade.
Segundo o parlamentar, a queixa mais comum entre os trabalhadores e
produtores rurais era a de que eles eram penalizados por exercerem seu
próprio trabalho. “Agora temos uma lei que preserva todos os atores do
meio ambiente, o que inclui o homem do campo. Por mais que ele quisesse
cumprir a legislação, não era possível, tanto pela complexidade da norma
quanto por sua inviabilidade”, afirma.
Também o presidente da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento
Sustentável e relator da matéria, deputado Célio Moreira (PSDB),
considera que o novo Código Florestal incorporou demandas do setor
produtivo assim como das entidades de defesa do meio ambiente. “Ouvimos
todos os setores envolvidos, e a lei é resultado desse processo de
consultas e negociação”. O novo Código Florestal tem 127 artigos e oito
capítulos.
Lenha, biomas e arestas
Encontrar o equilíbrio entre a continuidade das
atividades dos setores produtivos e a conservação ambiental não é tarefa
fácil, sobretudo em um Estado de caráter minerário e agropecuário como
Minas Gerais. Ao longo de oito décadas, a legislação, tanto federal como
estadual, oscilou entre o protecionismo à produção rural e a defesa da
biodiversidade. O impasse entre produtores rurais, entidades de defesa
do meio ambiente e Ministério Público (MP) se acirrou com a aprovação da
Lei Federal 12.651, de 2012 (o novo Código Florestal Brasileiro).
O processo de revisão das políticas florestal e de proteção à
biodiversidade, nas esferas da União e do Estado, se deu pela pressão
dos setores produtivos que, desde a reforma do Código Florestal
Brasileiro de 1965 (Lei 4.771), têm lidado com a insegurança jurídica. A
prática produtiva era recorrentemente judicializada no Brasil, o que
propiciou um cenário em que a grande maioria das propriedades rurais
estivessem sempre irregulares frente à legislação ambiental.
O primeiro código florestal brasileiro data de 1934, e foi
substituído por outro em 1965, que por sua vez sofreu várias alterações
por meio de leis e 67 medidas provisórias de 1989 a 2006, quando foi
consolidado. Posteriormente, se sobrepôs à norma anterior o atual código
(Lei 12.561, de 2012). De acordo com dados do Portal do Senado, a
legislação da década de 30 foi elaborada em plena expansão cafeeira
para, dentre outros objetivos, resguardar “a reserva de lenha”. O texto
até mesmo incentivava a retirada total das matas nativas desde que pelo
menos os 25% de reserva de lenha fossem replantados. Nesse sentido, não
importava a espécie nem a variedade de árvores, mas apenas a garantia de
produção de madeira para lenha e carvão.
Com a crescente mobilização de ambientalistas para refrear a
exploração predatória de recursos naturais e os seus impactos, o
Congresso aprovou, nos anos 60, a segunda Lei Florestal. O diploma
legal, em especial nas revisões a que foi submetido a partir de 1989,
buscou contemplar as demandas em defesa do meio ambiente, a exemplo da
consolidação da reserva legal e das áreas de preservação permanente com o
fim de dar proteção à biodiversidade e aos recursos hídricos, dentre
outras medidas
.
O consultor pondera que o Código Florestal de 65, após reformas, pode
ser considerado o mais rígido da história. Em alguns casos, as
exigências e restrições chegavam a inviabilizar certas atividades da
produção rural. No âmbito do Estado, a Lei 14.309, de 2002, teve como
parâmetro a legislação federal de 1965.
O consultor legislativo Júlio Cadaval Bedê exemplifica a situação
contingente com o desenvolvimento da piscicultura no Estado. Ele explica
que, embora Minas Gerais seja considerado um Estado de grande potencial
no setor, a atividade era limitada de forma pouco razoável pelo Código
Florestal anterior. Já o artigo 15 da Lei 20.922, de 2013, permite a
prática de aquicultura, utilizando as APPs, em tanque rede ou escavado
nos imóveis rurais com até 15 módulos fiscais, desde que atendidas as
exigências da lei.
“Nos últimos dez anos, qualquer intervenção era classificada como
criminosa. Até mesmo o aceiramento (retirada de vegetação ao longo de
cercas) para evitar incêndios ou a construção de barraginhas para captar
o volume de água proveniente de enxurradas, colocavam o produtor rural
na ilegalidade”, lamenta o deputado Antônio Carlos Arantes. Ele
acrescenta que o novo Código Florestal viabilizou a aplicação efetiva
das políticas de proteção ambiental, uma vez que estipulou regras
exequíveis e que não criminalizam práticas necessárias à atividade rural
e à própria conservação do patrimônio natural.
Costurando pontos de vista
Antes mesmo do processo legislativo entrar em curso na Assembleia de
Minas, deputados das Comissões de Meio Ambiente e Desenvolvimento
Sustentável e de Política Agropecuária e Agroindustrial realizaram
reuniões com membros do MP a fim de compactuar a aplicação da nova lei
federal. Isso porque a então recente legislação foi considerada pelos
proprietários de imóveis rurais incompatível com a lei estadual (a então
vigente Lei 14.309, de 2002).
Os encontros entre promotores e parlamentares, em
meados de junho de 2012, passaram a ter como pauta a reformulação dessa
lei. Com o intuito de adaptar a legislação mineira à federal e
solucionar o conflito de forma definitiva, a ALMG deliberou, ao longo do
ano passado, sobre o PL 276/11, além de ter realizado mais de dez
reuniões de trabalho que contaram com a participação efetiva de
representantes do Poder Executivo, dos setores produtivos do Estado e da
Frente Ambientalista, que representava 17 entidades, incluindo a Amda
(Associação Mineira de Defesa do Ambiente).
Originalmente o projeto, de autoria do deputado Paulo Guedes (PT),
buscava alterar o artigo 17 do instrumento legal. A alteração limitaria a
compensação da reserva legal, percentual da área da propriedade que
obrigatoriamente tem que ser preservada, inclusive fora dos limites do
imóvel, desde que no território do Estado e em área pertencente à mesma
bacia hidrográfica.
O deputado Paulo Guedes conta que apresentou o projeto com o objetivo
de refrear um fenômeno que há muito se repetia. “Grandes empresários do
Triângulo Mineiro instalavam seus empreendimentos nessa região, mas
compravam terras no Norte de Minas para cumprir a obrigação de manter a
reserva legal, como forma de compensação”, explica.
Segundo o parlamentar, essas ações estavam impedindo inclusive o
crescimento econômico do Norte de Minas. Ele explica que, no decorrer da
tramitação, foram anexados outros projetos, apresentados substitutivos e
emendas, o que propiciou um texto final distante do documento inicial,
“mas que veio para solucionar a incompatibilidade entre os ordenamentos
jurídicos federal e estadual”.
Com relação à compensação da reserva legal, a nova lei federal
estabeleceu definitivamente o bioma (conjunto de diversos ecossistemas,
que apresentam certa homogeneidade relativa à fauna e à flora) como
referência para as compensações fora dos limites das propriedades
rurais.
Para o deputado Romel Anízio (PP), relator da matéria
na Comissão de Política Agropecuária e Agroindustrial, o maior avanço
propiciado pela lei foi justamente a regularização da situação jurídica
dos proprietários de imóveis rurais. “Conseguimos eliminar os conflitos
entre produtores, Ministério Público e Polícia Florestal. Temos uma lei
que não impede a produção nem a conservação dos bens naturais”, afirma.
O deputado Célio Moreira ressalta ainda que o novo Código Florestal
trouxe alterações significativas.
Dentre elas, o deputado destaca o
estabelecimento de limites globais para a utilização de carvão de origem
nativa, impedindo o uso dessa matéria-prima proveniente inclusive de
outros Estados, em detrimento do carvão oriundo de áreas plantadas.
“Assim também buscamos acabar com o desmatamento ilegal em Minas, uma
vez que o carvão declarado de Estados vizinhos era utilizado para
encobrir a queima criminosa de nossas florestas”, afirma.
Diversas outras alterações foram incorporadas. Em síntese, os
dispositivos modificam regras para a composição de reservas legais,
regulam as intervenções em APPs, criam novos instrumentos de
regularização, como o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e a notificação de
regularização, documento que, antes da autuação e aplicação de multas, é
entregue ao produtor rural orientando-o a sanar as irregularidades,
desde que não tenha ocorrido dano ao meio ambiente.
Fiscalização terá papel educativo
Quanto ao poder de fiscalizar, com a nova legislação, o Estado passa a
cumprir um papel mais educativo. “A lei abre caminho para que a
fiscalização ambiental seja exercida com forte caráter orientador e
educativo, permitindo que o produtor rural e demais cidadãos tenham no
poder público uma referência de apoio, e não de punição”, explica o
consultor Júlio Bedê.
A consideração se respalda na mudança de perspectiva
determinada pelos dispositivos do capítulo VII da lei, que disciplinam o
papel fiscalizatório do Estado. O artigo 107 prevê que, desde que não
tenha havido dano ambiental, o produtor rural com área de até quatro
módulos fiscais e o agricultor familiar não serão de imediato autuados.
Será emitida uma notificação acerca da irregularidade, que deverá ser
sanada em prazo determinado. Só depois de orientado, notificado e
decorrido o referido prazo, se não houver regularização da situação, o
auto de infração poderá ser lavrado pelo fiscal.
Ainda de acordo com o artigo, a notificação poderá também ser
aplicada se o infrator for entidade sem fins lucrativos, microempresa ou
empresa de pequeno porte, microempreendedor individual, praticante de
pesca amadora, pessoa física de baixo poder aquisitivo e baixo grau de
instrução.
Para o deputado Antônio Carlos Arantes, o instrumento procura
orientar antes de punir, e o ganho disso está justamente na oferta de
condições para o cumprimento da legislação ambiental. Na avaliação do
deputado Romel Anízio, o instrumento trará resultados muito mais
efetivos que os autos de infração.
Aprovação exigiu esforço de negociação
O PL 276/11 foi aprovado em 2º turno por 41 votos
favoráveis e 6 contrários, no dia 4 de setembro de 2013. Não só essa
reunião de Plenário, mas todo o processo de tramitação, contaram com
ampla discussão. Essa percepção é compartilhada pelos deputados Célio
Moreira, Antônio Carlos Arantes e Romel Anízio.
Ao longo da tramitação, foram apresentados três substitutivos ao
projeto original. Em agosto de 2011, o projeto recebeu o substitutivo nº
1 na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Já o substitutivo nº 2
trouxe alterações referentes às contribuições do PL 3.915/13,
de autoria do governador, que foi anexado à proposição e às discussões
realizadas em torno dele. No decorrer da elaboração desse substitutivo e
das reuniões de trabalho, foram acolhidas mais de 70 propostas. “Elas
foram debatidas e aproveitadas nos pareceres e até mesmo no texto
final, o que tornou a deliberação essencialmente democrática”, assegura
o deputado Célio Moreira.
Esse substitutivo, apresentado pela Comissão de Meio Ambiente e
Desenvolvimento Sustentável, foi a primeira peça aprovada no processo a
propor a revogação da Lei 14.309, de 2002.
Distribuído às Comissões de Política Agropecuária e Agroindustrial e
de Fiscalização Financeira e Orçamentária (FFO), o projeto recebeu,
respectivamente, 66 e quatro emendas nos pareceres dessas comissões. O
deputado Romel Anízio afirma que se reuniu com todos os segmentos
produtivos para construir o seu parecer na Comissão de Política
Agropecuária. “Não houve concordância plena com as sugestões
apresentadas. Procuramos então avançar na discussão para chegarmos à
melhor proposta”, enfatiza o parlamentar.
Ao ser colocado em discussão de 1º turno no Plenário, o projeto
recebeu outras 53 emendas, e por isso retornou à Comissão de Meio
Ambiente. Nesse parecer, foi proposto o substitutivo nº 3, que foi
aprovado em 1º turno com 42 votos a favor e nenhum contrário. No 2º
turno, o projeto recebeu ainda 11 emendas da Comissão de Meio Ambiente e
outras 13 de Plenário, além de uma subemenda.
Apesar das 147 emendas apresentadas ao longo da tramitação, nem todas
foram de fato incorporadas ao texto aprovado em 2º turno no Plenário.
Das mais de 60 emendas apresentadas pela Comissão de Política
Agropecuária, cerca de 20 podem ser encontradas no texto final. Essa
expressiva quantidade de emendas evidencia a importância da participação
dos diversos grupos de interesse e a pluralidade de propostas para a
democratização do processo legislativo.
Foram ainda atendidas as medidas propostas pelo PL 3.219/12,
do deputado Fabiano Tolentino (PSD), que pretendia alterar a então
vigente Lei 14.309, de 2002, no que se refere aos critérios de reposição
florestal. Após a sanção da Lei 20.922, o autor retirou o projeto de
tramitação.
Cadastro rural é regulamentado em âmbito estadual

O Cadastro Ambiental Rural, cujo gerenciamento foi disciplinado na Lei
Florestal do Estado, foi um dos poucos pontos pacíficos da discussão - Foto: Willian Dias
A implementação imediata do Cadastro Ambiental Rural (CAR) foi um dos
poucos pontos pacíficos da discussão. O instrumento foi criado pelo
Código Florestal em nível federal e a lei aprovada na ALMG disciplinou o
seu gerenciamento no âmbito do Estado.
O cadastro é um registro eletrônico, obrigatório para todos os
imóveis rurais. O objetivo desse cadastramento é integrar as informações
ambientais referentes à situação das áreas de preservação permanente,
das áreas de reserva legal, das florestas e dos remanescentes de
vegetação nativa, das áreas de uso restrito e das áreas consolidadas das
propriedades e posses rurais. Esse registro funciona como se fosse “o
documento de identidade da propriedade rural”.
Esse processo, em síntese, consiste na declaração dos proprietários
rurais acerca de seus imóveis. Os dados vão integrar um sistema nacional
de controle, monitoramento e combate ao desmatamento das florestas e de
planejamento econômico e ambiental. Ele acrescenta que os órgãos
competentes farão a verificação das informações e eventuais
fiscalizações.
Para os deputados, o instrumento vai facilitar as atividades de
regularização fundiária. “A atualização dos dados será muito mais
próxima da realidade”, enfatiza o deputado Romel Anízio. Concordam com
ele os deputados Célio Moreira e Antônio Carlos Arantes, que acrescentam
que o CAR vai garantir o cumprimento da legislação ambiental e
subsidiar novas políticas públicas para o setor.
De acordo com a Lei 20.922, para o registro de reserva legal no CAR
em imóvel de agricultor familiar, o poder público garantirá a
assistência técnica, além de apoio técnico e jurídico gratuito. Caberá
ao órgão ambiental estadual ou à instituição habilitada (como empresa de
assistência técnica ou organizações não governamentais) realizar a
captação das coordenadas geográficas da referida área.
Proposição foi vetada parcialmente pelo governador
A matéria, ao ir para a sanção do governador, foi vetada
parcialmente. Após deliberação do Plenário, foram mantidos o veto ao
parágrafo 3º do artigo 12 e ao parágrafo 2º do artigo 123, que tratavam
do acréscimo de hipóteses para intervenção em APPs e de regras de
transição para regulamentar a revisão das áreas prioritárias para a
conservação da biodiversidade, respectivamente.
Já o terceiro veto foi o que causou mais polêmica. Foi vetado o
artigo 125 da proposição, que havia estabelecido nova distribuição de
recursos provenientes do ICMS Ecológico. Foram 40 votos a favor da
manutenção do veto e 18 contrários. O artigo previa que 33,34% dos
recursos do ICMS Ecológico fossem destinados aos municípios com
destinação adequada de lixo e esgoto, 33,33% seriam repassados aos
municípios com mata seca e os restantes 33,33% ficariam com os
municípios onde há unidades de conservação ambiental e reservas
indígenas.
O deputado Paulo Guedes explica que, com o veto, as cidades que mais
possuem áreas preservadas (as de mata seca) continuarão recebendo apenas
9,1% do ICMS Ecológico. “A nova distribuição foi fruto de acordo entre
os parlamentares da base e da oposição, por isso o veto gerou tanta
frustração. A decisão não fez justiça”, lamenta o parlamentar.
ALEMG

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